segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Inércia



Sentado à berma da tristeza
Aguardo a bondade de alguém
Que me empurre ou me levante,
Que seja a minha vontade e avante.
Mas que me salve desta incerteza,
A inércia de quem se não tem
Em conformada demasia:
Pois que ou me afogue na infelicidade,
Essa sorte salgada,
Ou lhe vire as costas e a castidade.
Mas não apodreça no nada
Desta berma vazia!

Sentado à beira da tristeza
Como se não houvesse mais onde descansar,
Como se gostasse de a ver passar
Em lamúrias vagarosas,
Como se quisesse a certeza
De que sei não plantar apenas rosas.



2008. música por The Oms

domingo, 4 de janeiro de 2009
























Na minha janela
Ergue-se o auge de um prédio ameaçador
E eu, que sonho em o escalar
Ou até subir pelo elevador,
Limito-me a ver, de longe, o cume,
Através do vidro da minha janela,
Quente de olhares como lume.

Gostava de poder saltar.
Mas não sou alado
E não enxergo daqui a porta do prédio
Onde me perco no assédio
De um ascensor encravado.
É claro, há sempre as escadas,
Mas só se vê, da minha janela, o cimo
E as suas glórias douradas
Que com o olhar luzidio limo.




2008

sábado, 3 de janeiro de 2009

Bibo no Aozora

Quando o fim chegar, vagaroso,
Dolorosamente, dançando a valsa do meu adeus,
Deixando esvoaçar o vestido
De tecido cosido por tudo o que perdi,
Baraços que eram meus porque os sonhava.
E que, depois, quando já só sabia desistir,
Os enrolei de novo num novelo
E os deitei, e cobri-os com terra.
Desde aí morri.
E, apesar de ainda poder andar,
Sem ter para onde ir, nem poder saber
De onde vim, não tinha baraços para marcar o destino
Que já havia percorrido.
Apesar de ainda poder andar,
Não tinha baraços que me ligassem os ossos entre si
Nem os olhos às lágrimas.
Desmanchado no chão, esperava pelo dançar do fim.
Ele vinha em direcção de mim e eu
Já falecido.
Sem ter o que lembrar,
Sem saber o que tinha traçado em tanto tempo,
Sem já ter baraços para atar nós nos dedos
Para não mais me esquecer de nada.
Mas não havia nada de que me pudesse esquecer.
E nem no meu fim a melodia
Da valsa da minha despedida,
Que nem sequer eu dançava,
Eu podia, jazendo, ouvir.

A minha despedida será como o meio
O meio da história, quando nada muda e nada mudou,
E a história, vácua memória, se limita a enrolar-se
Com novelos que já perdi,
Porque o fim chega, devagarinho,
E foi como se não tivesse vivido.
Imóvel, de mãos atadas, com os belíssimos baraços de que adbiquei
Para poder vendar os olhos e não mais ver.

Não é realmente uma despedida porque ninguém se despede.
Não há nada para despedir

E, se do nascer até morrer,
Não houve vida nenhuma,
O único sinal que me fez saber que agora é o fim
De nada,
É que anseio chorar.
Que recordo que a mágoa existe,
Que a desilusão estou certo de não ser ilusão.
Há marcas de mordaças nos meus dedos.
No fim, só a mágoa se manteve comigo,
Só a mágoa me foi fiel.
Tudo o resto me fugiu.

E quando o fim está, finalmente,
Sobre mim,
Ouço, por fim, a maravilha do seu choro,
Sinto suas lágrimas em meu dorso
Porque até ele sabe que está a acabar
Algo que não teve começo.
Apagar quem já perdeu os sonhos.
E, por isso, não soube eu saudar a saudade,
Abraçar a nostalgia ou poder
Conhecer sequer a alegria
De sentir o coração a bater.
O fim chega e eu julgo que o meu coração
Nunca bateu.
E nunca o sol entrou
Por meus salões sem pó.
E nunca ninguém se lembrou
Se eu estive aqui, só o fim.
Nem o fim.
O fim é o fim.



Música de Ryuichi Sakamoto (por esta música vale a pena ter vivido)




















Sempre quis ser um pintor
Como o meu pai e pai seu,
Preservar a tradição,
Porém ser inovador
E desenhar Prometeu
Queimando a sua criação.

Pois sempre sonhei roubar
O prestígio do Olimpo
E, prodigioso, poder espalhar,
O fogo, infernal mas limpo.

Numa tarde de nevão
Estava a descolorir
E tanto me tremia a mão
Que vi meu pincel a cair.

O nevão foi tempestade
E eu queimei a pintura
Com o fogo do fracasso:
Quem sucumbe à tremura
Risca com leviandade,
Não pode ser nenhum Picasso.

Nessa tarde desisti:
O frio era tanto
Que até os ossos tremi.
Todavia, um célebre pintor
Não pode esperar um manto,
Só pintar o cobertor.

Porque tremi, desisti.
Eu, com sonhos de chamas,
Morri os sonhos ao frio.
Hoje apenas espio
O que teria de famas
Se tivesse afastado melhor
A ameaça de um pormenor.









Fotografia de Ana Pinho Ferreira
Música de "God is an astronaut"

(O Tiago Garcia trocou a música da composição, e este é o link da versão dele: http://www.youtube.com/watch?v=KPyNbti2eCw)

Eu não fui
Tu se calhar até foste
Ele foi de certeza
Nós não fomos!
Vós vejam lá se não foram
Eles fugiram.

Esclarecimentos.

Antes de mais e porque, enfim, se aqui estou o que faço deixa de ser só feito para mim, gostava de não só tentar prestar algumas explicações do que se seguirá a presumíveis leitores/observadores/ouvintes, bem como, e isto é o que ainda me faz demorar a adormecer (por enquanto) encontrar um rumo para mim. Para isto.

Gosto de arte. Faço arte porque arte é tudo e quero espalhar a minha arte. Absolutamente banal. A partir daqui surge o problema. A maioria dos campos da arte também me fascina e pratico o que posso até em alguns e quis reuni-los. Só ultimamente me vim a convencer que a internet, por razões que não necessitam de esclarecimento, é o melhor suporte para mostrar o que não quero guardar só para mim, dai ter optado por criar, de novo, um blog.

Este vai, contudo, ser distinto do anterior porque vai ser uma sala de fusões. Um laboratório de experiências, digamos. Tentarei unir coisas com coisas, coisas com não coisas, xs com ys ou xs com xs, e poderão todas aparecer mais que uma vez em contextos diferentes ou semelhantes. Não sei. Sinceramente, não sei o que esperar, mas tenho de começar a tentar materializar sonhos.


E assim, postas as explicações que não foram explicações algumas mas, enfim, me elucidaram um pouco, termino com uma frase: tão escritor é quem escreve como quem lê (literatura usada a título de exemplo).

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Se um dia tudo corre mal
E o sol não brilha, triste,
E a água não corre porque o mar desiste,
Se uma manhã não deixar de chover
Nem tão pouco se ouça o céu a gemer,
Se toda a gente se calar cinzenta
Perdida nas ruas onde a cor se ausenta,
Se até das flores foge o vigor
E se como as folhas das árvores caia o amor,
Se até o calor da lareira for invernal
Vendo as paredes desabarem se cal,
Se o por do sol não mais chegar
E chegado tudo murche para ele se despachar,
Se até a noite ficar sem ar
E a lua sufoque sem sítio onde voar,
Enfim, se um dia tudo for desgraça
E descubras nos dias só cansaço
Lembra-te que o mundo só está soturno
Por teu desgosto, e trespassa
O coração de um deus diurno.

Não, quando tudo for cansaço,
E já que não queres ver no vento
A felicidade do momento,
A efemeridade do correr,
Lembra-te que até o cansaço
É um privilégio escasso,
Que como o vento deves viver:
Quaisquer as folhas que leves no regaço
Tudo é amplo e luminoso,
Tudo para ti é espaço
Para uivar e para dançar e para o cansaço.
O vento vai-se rápido e vive tudo,
Não queiras tu não viver e uivar mudo.

Não, , flore, voa, irradia!
Porque se tudo existe
É para ser posto em riste
E não ser preservado
Como a tristeza de um dia.

Vive-a, agarra-a, engole-a, com avidez
Nada no rio se te parecer transbordado,
E, quando chegar a tua vez,
Nada há-de te ter faltado.

Se ainda assim não quiseres, se um dia tudo te correr mal,
Lembra-te que os mesmos ruídos
Não se mantêm dois dias seguidos.



Outono de 2008